Ir e vir…

A mamãe lança um paninho sobre a cabeça do bebê, brincando e fingindo desaparecer e há silêncio. Quando ela retira o paninho recebe de presente aquele sorriso mais gratificante do mundo, aliviado pelo “retorno” da mãe.

Muitas mães e papais brincam desse jeito. Na consciência primitiva, ainda em desenvolvimento, da criança, ela compreende assim: se não vejo a mamãe, ela sumiu. mas quando ela retira o lenço de meu rosto significa que ela apareceu de novo e estou feliz por sua doce e cuidadosa presença.

Num só momento, numa simples brincadeira, a mãe está ensinando a criança um importante exercício de segurança: a mamãe ou o papai sempre voltarão; estarão por perto para cuidarem de mim. E o bebê, assim, é feliz.

Ir e vir é um direito fundamental garantido na Constituição brasileira. Claro que bebês não compreendem muito claramente o que essa coisa de direito significa, embora saibam que é muito importante a presença de pais amorosos, respeitadores e interessados em seu bem estar.

Quando saio e chego eu garanto ao meu filho que ele está seguro, bem cuidado e é amado. Ensino-lhe princípios de segurança e autoconfiança.

Bullying

Há pouco tempo a palavra bullying nem era conhecida. Agora virou tema importante na mídia, nas escolas, na família.

Engana-se quem pensa que se trata de algo novo. O termo agora vem à tona para tratar algo que já vem causando sérios prejuízos psíquicos há muito mais tempo do que se imagina.

Apelidos pejorativos, um comentário de mal gosto que pega, que faz sucesso na turma e daqui a pouco a criança ou o adolescente está completamente envergonhado, subestimado, ridicularizado e ferido. Sua autoestima prejudicada, talvez, pelo resto da vida.

Mas onde nasce, necessariamente o comportamento que gera a violência para com o coleguinha? Onde nasce o bullying? De onde vem essa forma desrespeitosa e prejudicial de tratar o outro?

Infelizmente, da própria família. É isso mesmo. Quando o pai se compara com o vizinho e se considera mais rico, mais forte ou mais bonito que o vizinho; quando a mãe critica todas as colegas de trabalho pontuando que se vestem mal… Quando o irmão mais velho aponta o amigo como feio ou cheio de defeitos… Esse tipo de comportamento gera na criança a idéia de que o outro não é lá tão importante ou não valha muita coisa.

Se na família a gente conseguisse gerar uma cultura de profundo respeito, de tolerância, de diálogo e de reverência aos outros – a todos os outros – a gente não tinha que sofrer com tantas vítimas envergonhadas, subestimadas, humilhadas e afetadas em sua autoestima.

Essência e Aparência


Vivemos numa época em que você vale mais pelo que tem do que pelo que você é. Isso significa que você poderá até ser uma pessoa má e perigosa, mas se tiver dinheiro e poder (ainda que só aparentemente), valerá muito. Um bom exemplo que temos é a famosa gang das loiras. Mulheres bonitas e muito bem vestidas enganando a todos, pois aparentemente eram gente de bem. Ou seja, elas não eram nem tinham. Elas pareciam ter.

De um modo geral há muita gente se esforçando muito para impressionar amigos e parentes com roupas de marca, com um carro importado, ainda que sua conta bancária esteja no vermelho e que seu orçamente familiar esteja comprometido.

Valores fundamentais como o amor, a gentileza, a tolerância, o respeito ao outro ficam relevados a segundo ou terceiro plano enquanto toda nossa energia se limita a parecer ser alguém poderoso, confiante e cheio de si.

Então se vive de aparências. E enquanto cuido do que é aparente a essência vai se esgotando e vou perdendo as forças, o ânimo, a alegria e até a vontade de viver pois num lapso de maturidade percebo que o melhor mesmo é ter os pés no chão, o corpo simplesmente protegido e os pés calçados.

Saúde na alma e no coração e aquela saudável vontade de viver o que realmente é importante, o que realmente interessa.

Cala a boca, menino!


Há um livro que diz que a língua da gente é como uma fagulha pequenininha, mas seus efeitos podem incendiar uma floresta inteira. Parece que o texto quer dizer: fale menos!

Rubem Alves prenuncia que há cursos de oratória em todo lugar. De ‘escutatória’, não. E é disso que nós, profissionais, pais, professores, líderes de um modo geral precisamos.

É fato: temos apenas uma boca e dois ouvidos. Certamente a intenção do Criador era que ouvíssemos mais e falássemos um pouco menos.

A Internet está cheinha de gente querendo falar. Prova disso são os milhares e milhares de blogs que, já riem os entendidos, são lidos apenas por seus próprios escritores. Nossos consultórios estão lotados de pessoas que precisam pôr para fora o que lhes angustia. Nossas empresas clamam por líderes capazes de ouvir seus liderados em suas supostas limitações e queixas.

Parece que temos uma crise enorme nessa área: de alguma forma perdemos (alguma vez tivemos?) a capacidade de nos inclinarmos ao outro desarmados, abertos, acolhedores, apenas a ouvi-los.

Ouvir tem a ver com acolher. Sim. Quem ouve o outro demonstra-lhe um tipo de amor raro nos dias de hoje. Quem escuta o outro está dispondo seu tempo, sua energia, sua agenda ao seu não-eu. Está lhe dizendo: “Venha. Eu te aceito, te acolho. Não te julgo ou penalizo”.

Quando eu falo, me projeto. Quando ouço, internalizo. Recebo. Talvez até entenda\compreenda o outro, quem sabe?

Em apoios pedagógicos e psicológicos às indústrias e empresas percebo que elas querem falar. Precisam desabafar suas demandas, suas dificuldades, suas angústias. Vou, escuto e escuto. Basicamente só escuto. Isso já lhes alivia um pouco as pressões. Num primeiro momento invisto horas a fio diante dos gerentes e\ou líderes apenas lhes ouvindo.

Conheço mulheres que, por não conseguirem escutar seus maridos, põem em grave risco seus relacionamentos. Homens, idem. Conheço adolescentes e crianças que adoecem, ficam com febre ou são até internadas sem qualquer motivo médico. Quando vamos investigar: fator emocional. Ou não estão acostumados a falarem de suas dores emocionais ou nunca lhe deram espaço para isso. (Atenção, mamães e papais!).

Conheço profissionais de saúde que mal olham seus pacientes. Quanto menos os escutam com atenção. Quanto mais pessoas atenderem melhor para seu salário e aquilo que seria resolvido por uma simples palavra custa o preço de toda uma vida calada, recalcada, escondida, amedrontada e não projetada, por que a gente tanto se projeta por meio da fala quanto se cura pelo mesmo caminho.

Conheço também colegas que talvez para provarem que são bons terapeutas “falam pelos cotovelos”. Já vi muita gente boa perder a oportunidade de acolher seus clientes através de uma boa escuta. Ao contrário, lhes contam sobre sua formação, sua vida, seus problemas, sucessos. É estranho mas isso acontece, infelizmente. É o analista precisando de análise.

“Cala a boca, menino” devia ser trocado por “fala, garoto”. Toda vez que nosso filho viesse de uma encrenca, de um mal estar na rua, com alguma queixa ou grito. Ouvir atentamente seu filho está ligado a acolhê-lo em amor.

Quero mais é ouvir. Por isso mesmo vou terminando apor aqui meu texto de hoje.

Homem ou mulher?

Ele se senta na mesa numa posição em que dá para ver a entrada da casa e a outra porta da cozinha. O gesto é de atenção, embora tudo esteja tranquilo e seguro. Seu instinto é de controle e dominação, como eram seus parentes/machos antigos, lá da caverna.

Ela é diferente. Bem diferente: se senta na mesa verificando se todos os talheres estão disponíveis, se cada um tem copo e prato adiante, se todos já se serviram. Vai e, finalmente se serve. Come. Come mas pergunta a um e a outro se quer mais isso ou aquilo, se gostou dos legumes. Além disso ela pergunta se estou triste, se está tudo bem. Ela sente na cara da gente se há algo de errado: ela é mulher.

Estamos na época de pensar em coisas como pós gênero: há linhas teóricas que defendem a idéia de criar a criança sem imposição de cor-de-rosa para las ninãs e carrinhos para os meninos para que eles descubram por si sós o sexo, ou melhor, a expressão sexual que seguirão quando puderem discernir pessoal e particularmente suas preferências.

Entretanto, quero ainda me aprofundar na idéia de que “Homens São de Mártir e Mulheres, de Vênus” e perguntar “Por que Homens Fazem Sexo e Mulheres Fazem Amor”. Sim, porque esse também é um questionamento que ainda não conseguimos, mesmo com toda a tecnologia, todas as pesquisas e todos os possíveis mapeamentos cerebrais, responder completamente.

Sei que há controvérsias para as diferenças entre homens e mulheres, embora não se possa discutir que, de um modo geral, os músculos dos homens são mais fortes e a mulher, como no caso acima, tem mais facilidade de encontrar objetos pequenos dentro da geladeira, de perceber com maior facilidade as oscilações emocionais dos outros etc.

Está mais que constatado, até a partir de exames do cérebro que homens e mulheres são diferentes e que cada um dispõe, por evolução ou por disposição hormonal, de diferentes componentes cerebrais, de diferentes características, diferentes jeitos e formas distintas.

Cada um possui específicas inteligências para esta ou aquela questão. Raramente uma mulher, por exemplo, tem muita facilidade para lidar com cálculos ou aptidão para utilização de mapas. Já os homens “preferem” falar menos, tem menor habilidade para cuidar da casa ou de detalhes. Claro que tudo isso tem exceções, mas é o que se vê.

Na Revolução Feminina – que ainda está em andamento e parece ser a revolução mais longa da história – a mulher estava mais interessada em ser respeitada como pessoa humana e com o poder de escolha de ter filhos ou não do que viver em competição com o homem, como se prega por aí.

Gosto de saber que há coisas das quais não tenho a menor habilidade e que posso contar com o outro – ele-macho – para resolver para mim. Também não vejo o menor problema em mostrar aos meus queridos colegas, amigos ou ao meu marido que o documento de que precisam (e que estão há horas procurando), está logo ali, na primeira fileira, à sua frente.

Somos iguais como seres humanos. Somos diferentes em nossas inteligências e habilidades. Um pode enriquecer o outro, sempre. Aí é bom. Pensar assim vale a pena.

Humanos é o que somos. Simples e complexo assim.

Cansei de ser formiga, eu quero é ser cigarra!


(Por Tercio Roberto – Primeiro sobrinho de Ieda)

Tempo muito louco esse o nosso. Talvez nunca um ser humano, pelo menos no que estamos concebendo como um país subdesenvolvido, teve acesso a tanta informação, arte, cultura, meios de produção e lazer.

O trabalho é apresentado como uma virtude. A falta dele, uma verdadeira desgraça social, psicológica e financeira. Do ponto de vista econômico o valor do trabalho é apresentado com verdadeira chave para o desenvolvimento. Quanto mais empregos, mais trabalho, mais felicidade. No sentido oposto, quanto menos trabalho, menos felicidade, menos produção de riqueza, menos tranqüilidade.

Pra quem não tem trabalho, depressão. Para quem é viciado em trabalho, tratamento. O mesmo fato, sob pontos de vista antagônicos, apresenta resultados iguais… Intrigante isso.

Nesse contexto é que vemos a questão do acesso à informação e da relação disso com a nossa cabeça. Enquanto a internet é a minha maior fonte para pesquisa – pelo menos a primeira, para me orientar sobre para onde olhar – ou seja para o trabalho, é também uma boa fonte de lazer – musica, redes sociais, etc. Tenho a sensação de ter um mundo aberto e sem rumo.

Aí é que mora o perigo. Quando eu nasci, sabia que para ser alguém bem sucedido na vida bastava pouco: “UMA FORMATURA”. Depois de um tempo, chegada a ‘formatura’, essa linha foi quebrada para se concluir que aquela não era suficiente. E o que é suficiente?

Não da para saber mais o que é suficiente porque hoje ninguém sabe de nada, ou melhor, sabe de tudo.

Basta uma ‘googlada’ para saber nome e cpf de qualquer mortal. Eu preciso, então, definir qual o limite da suficiência… Difícil. Porque mesmo as formigas trabalham juntas para o próximo inverno. Já nós, trabalhamos sozinhos, rumo a um futuro incerto, numa estrada sem fim, um infinito. Não concorremos mais com a cigarra. Concorremos com a formiga do lado e com a mesma intensidade com aquela localizada do outro lado do planeta, mesmo anônima.

Para alguém de formação puritana, ou melhor, protestante, o trabalho é não apenas o fruto do pecado, mas a verdadeira redenção. É que o trabalho foi imposto por Deus como castigo ao homem em face do pecado original. De outro lado o trabalho mostra-se como mecanismo de consagração. É que o trabalho é o oposto do lazer. E o lazer, normalmente leva o ser humano ao pecado. Isso fica fácil se você lê as noções sobre pecado e virtude. Dos sete pecados capitais, pelo menos a gula, a luxuria, a preguiça e a vaidade estão relacionados ao lazer. A comida, o sexo, o descanso e a beleza estão relacionadas diretamente ao lazer.

Em outro sentido, a virtude, essa encontra-se relacionada ao trabalho, ao ‘suor do teu rosto’ de onde virá o pão! Nesse contexto, sempre se referiu, na fábula da formiga e da cigarra, que a certa era a formiga, porque laboriosa, enquanto a que se dedica ao lazer, a cigarra, era uma irresponsável.

O povo da Bahia é também compreendido nesse sentido. É um povo, como se diz nas ruas da cidade, ‘folgado’, ou ‘descansado’ porque consegue ignorar o sentido do trabalho como algo sagrado. Afinal, sagrado por essas plagas é Cosme e Damião, em cuja cerimônia de reverência se envolve uma comilança dos mais variados quitutes, dentre os quais o acarajé, o vatapá, o caruru, a pipoca, a rapadura, o xinxin e outras tantas guloseimas, próprias do povo daqui. O trabalho não tem nada de sagrado.

Ai é que a loucura fica grande. Porque para quem foi criado tendo como referência o trabalho, fica difícil acreditar que a formiga estava errada!

Porque, fazendo uma análise, não me lembro de um primo, um tio, um avô ou irmão que cultive um hábito, um lazer… uma coleção, um suvenir, um estilo de vida, nada. Na família, todo mundo deu pro que presta… todos laboriosamente TRABALHAM!

Daí cheguei à conclusão: cansei de ser formiga, quero mesmo é ser cigarra. Como? Não faço a menor idéia, mas aí fica com a minha Analista: afinal, não quero ter mais esse trabalho. Já basta!

Salvador, 27 de setembro de 2011.

(Obs.: Tenho o maior orgulho de postar este texto aqui. Ele foi escrito pelo meu primeiro sobrinho e mesmo sem sua autorização, faço questão de publicar aqui essa coisa leve e engraçada, inteligente e intrigante (a cara dele!). Cá entre nós: é pra ficar babando ou não, gente?)

O ótimo é inimigo do bom

Nesses dias em que o espetacular parece ter ampla aceitação entre todos as pessoas, foi muito bom ouvir de uma famosa atriz brasileira a frase: “o ótimo é inimigo do bom.”

A idéia traz consigo uma exigência para pensar: se estou muito fixada em atingir altas metas e ‘ser a pessoa mais feliz do mundo’, vou moldando minha existência a partir do difícil, do inatingível, do impossível. Fica difícil viver e vou tendo ansiedade, medo, transtornos.

Não é difícil, a propósito, ouvir até de bocas ditas religiosas o mesmo discurso: “coisas sobrenaturais devem acontecer a todo momento, aqui e ali”. É como se estivéssemos tão cansados da vida cotidiana, daquela que é mesmo rotineira, sem grandes emoções ou novidades e precisássemos lançar mão do exagero, do maravilhoso, do fato além do aqui, além da imaginação.

E qual o maior problema desse tipo de pensamento? Não é mesmo bom lançarmos nossa alma para o infinito e sairmos da maresia, do rotineiro? Sim. Talvez. Inclusive defendo a idéia de que precisamos de um pouco de fantasia para aplacar nossas dores e/ou dificuldade que temos de dormir.

O contra-ponto mesmo do caso é que se temos o coração em fatos extravagantes e excepcionais, no ato espetacular mesmo, perdemos nossa sensibilidade para ver com alegria as coisas naturais. Aquelas mesmo do nosso dia a dia, as coisas simples… Talvez um céu cheinho de estrelas que nunca mais nos encantou pois “precisamos de mais”, sempre.

Daí fica fácil a nossa vida ficar vazia e sem sentido pois a meta não será alcançada nunca. Pelo menos não tão perto daquela expectativa que criei de ter a barriga igual à daquela modelo internacional ou o cabelo igual ao daquela famosa atriz. Ou o salário do Bil, ou o jatinho daquele Fulano de Tal.

A grama do vizinho parece ser sempre mais verde e a minha – pobre da minha – seca, pobre, feia, desalinhada.

Crio muita expectativa sobre minha felicidade e me esqueço de viver minhas pequenas alegrias.

Traço uma linha extremamente alta sobre o próximo ponto em que deverei ir e nem um passo – um passinho sequer – consigo dar além consigo dar, porque o que vale mesmo é o passo grande, o que me faz ser milionário, o que me oferece a família mais bela e perfeitinha.

Talvez um pouco de dose de realidade me ajude a sondar meus próprios passos, reavaliar e aceitar minhas próprias circunstâncias com coragem e disposição para lidar com o que não posso mudar, tentar modificar o que for possível e me alegrar com o que já tenho em mãos.

O ótimo é inimigo do bom. Se meu coração está no ótimo, no extraordinário e não o alcanço, me canso fácil, desanimo da luta e penduro as chuteiras.

O bom está aqui, na altura dos meus braços e posso agarrá-lo. Talvez transformá-lo em ótimo, quem sabe? Mas já é bom. Já é o possível. O que posso realizar.

Eu tenho os pés no chão.

Aos meus colegas analistas

Pra todos os lados a constatação é uma só: estamos no século da depressão.

Há uma espécie de mal estar coletivo que agride, maltrata, desintegra, fragiliza o ser humano, mesmo enquanto ele desfruta de boa tecnologia, de uma economia em desenvolvimento ou de outras ‘regalias’ da vida moderna.

O Prozac, medicação psiquiátrica, mais do que nunca, tem sido receitado como a ‘pílula da felicidade’, constatando que cada vez mais a gente tem menos sentimento de onipotência e auto-suficiência e nossa vulnerabilidade e insegurança tem aumentado geometricamente.

Há autores que sinalizam que esse tipo de sofrimento seja fruto de um crescente individualismo, somado a uma crescente globalização massificante. Cada vez mais tentamos viver para nós mesmos, com olhos em nossos próprios umbigos e vamos nos enfraquecendo como pessoas, como seres de relacionamentos que somos.

Nossa dor é moral, é psíquica. O que antes era reconhecido como neurose de angústia, hoje é detectado em vários dos nossos pacientes como Síndrome do Pânico, demonstrando claramente que não estamos instrumentalizados para lidarmos com nossa impotência e fragilidade humanas.

Apesar de ser questionável, se pretende eficácia na utilização das drogas para ajudar nesse tipo de sofrimento. O consultório anda cheio de gente que, dentre outras queixas, pontua uma tristeza sem aparente motivo, uma insegurança angustiante, uma falta do que quase não tem nome.

A Depressão que é uma agressão voltada para dentro, carregada de emoções negativas, faz ferver dentro de nós um caldo bioquímico tóxico bastante desconstrutivo. O preço disso é alto, sim, embora nossos conflitos subjetivos pareçam ser ainda maiores e mais graves que supostas falhas químicas desse ou daquele hormônio, desse ou daquele neurotransmissor.

A síndrome das metrópoles reforça o sentimento de que estamos sozinhos em meio a multidão e essa percepção é mais comum do que se imagina, mesmo em cidades menores como Jequié, onde moramos. Pessoas se sentem sozinhas, desamparadas, tristes.

Esse estado de coisas deve nos levar a considerar que o amor conta muito, principalmente se a gente pretende pensar em alguma cura. Em especial, tenhamos em ênfase expressões mais brandas de amor como o companheirismo, a amizade, o afeto, o acolhimento e a tolerância, tendo em vsita que paixão – sentimento intenso e arrebatador – passa com o tempo.

Incluo na indicação de amor que tenhamos também paciência para ouvir o outro. Ouvir sem elaborar julgamentos ou condenações. Para acolhê-lo em sua dor. Seja ela (a dor) o que for. Seja ele (o paciente), quem for.

Construção de Identidade

Aos pouquinhos, desde a infância, vamos construindo nossa identidade. Vou sabendo de mim, do que gosto, do que não gosto, de quem sou, de quem não sou. Vou me descobrindo e querendo seguir adiante, sempre. Ou não, como diria Caetano.

Nosso desenvolvimento emocional passa necessariamente pelo que trago de minha família hereditariamente. Cor dos olhos, tipo de cabelo, algum traço de personalidade, de jeito, de trejeitos.

Além do que trago, vou também sendo moldada pelo meio em que vivo. A importância do outro nessa construção de meu eu é grande. É junto com os outros que avalio quem sou. Que aprendo a ser gente, a conviver com pessoas. Primeiro em casa, depois na escola. Aí vem os outros laços sociais, a profissão etc.

Além disso tem o que eu escolho ser. O que decido ser. Posso receber mil conselhos, porém o veredito final será dado a partir do que digo sim ou não. Quero ou não quero. Desejo ou não desejo. A propósito, vale ressaltar que a maioria de nossas decisões não são tão conscientes quanto pensamos.

Gosto de saber que sou dona de minha história, autora de minha vida. Posso decidir (cortar mesmo!). Posso romper, errar e acertar, ajustar ponteiros, agir e reagir, me calar – até – em alguns momentos.

Gosto de saber que eu mesma posso interferir em meu próprio existir, tendo consciência de meus pensamentos e orientando-os para meu próprio bem e para o bem do meio onde vivo.

Escolher ser é algo desafiador. Preciso de coragem e disposição para ser quem realmente sou, já que dentro de mim há conflitos e fora de mim, também.

Na sociedade há forças contrárias às minhas vontades e tudo isso parece um grande caldeirão cheio de sabores, alegrias, venturas bem como tristezas, frustações, decepções e estresse.

Para sobreviver a tudo isso e ainda tomar decisões, continuar com ânimo, ter vontade de viver; é necessário ter coragem. Preciso também dos suportes dados lá na primeira infância, a partir do colinho seguro e necessário da mamãe. Ou da figura materna que vier a cuidar de mim.

Caso esses elementos não tenham sido suficientemente bons, ainda há chance: firmar pilares existenciais, contabilizando e considerando o que for possível ou ainda criando novas estruturas, a partir do que restou.

Se não consigo sozinho, buscar ajuda profissional me ajudará sensivelmente a ser quem sou, assumindo de forma madura e consciente minhas virtudes e defeitos, com maior qualidade de vida e boa saúde mental.