A cidade e sua autoestima

 

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Gosto de atender durante o dia  – embora quase nunca tenha tempo para tanto, já que trabalho como analista à noite.

Para um rápido exercício de cognição eu costumo levar, à luz do dia,  meus pacientes à janela do consultório para que eles me falem o que conseguem ver.

Lá do nono andar do Edifício Multicenter eles descrevem um monte de coisas negativas: afirmam que as montanhas aumentam o calor da cidade, que lá embaixo o rio de Contas está poluído e não se pode usá-lo como lazer, que as pessoas que passam na rua são pobres e estão sob um sol causticante, sofrendo calor.

Eles mesmos chegam à conclusão de que seu olhar é negativo. E riem de si mesmos.

Não conseguem ver que, embora as montanhas aumentem, de fato, o calor da cidade, elas nos dão um charme especial tal qual os montes em Jerusalém, tão cantados na Bíblia. Não entendem que o rio, embora infelizmente poluído,  nos dá um encantamento emocional importante pois é nosso; O rio traça uma linha brilhante bem no meio da cidade, por onde quer que formos e as pessoas, pobres financeiramente, sim, em sua maioria, mas moradoras e construtoras de nossa cultura, de nossa identidade municipal.

E quem disse que só o fator financeiro define se a pessoa é rica ou pobre?

Ou seja: nossos olhos podem, sim, melhorar, sempre. E vemos o que queremos ver.

Além das inúmeras mangueiras, carregadas de frutas deliciosas que vemos pela janela. Tudo tem seu lado ruim, está certo; mas há um lado bom em todas as coisas. Depende de como nós as vemos.

Nossos líderes políticos raramente olham por nós com generosidade. Isso é um fato. Se nos compararmos à Vitória da Conquista, aqui pertinho, vamos nos encolhendo pelo tanto que eles crescem, que progridem, que se erguem e se movem com destino ao sucesso. Além das mulheres e homens chiques com roupas que aparentemente lhes aproximam da Europa ou dos bem sucedidos lugares frios do mundo. Também isso é um fato.

Mas nosso olhar, insisto, ainda é negativo, submisso, como se fôssemos coitadinhos. Patinhos feios. É o famoso mito de que a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa.

E o jequieense vai tropeçando em seu sotaque, desrespeitando sua cultura popular a cada dia, desprezando seus pontos positivos, sua potencialidade de crescer, de ter seu próprio lugar ao sol.

Ser jequieense é perceber-se entre a caatinga e a mata e descobrir o que há de bom em pertencer a um bioma assim.

Ser jequieense, baiano, “nordestino não é um destino, é qualificação de nascimento, é um chamamento, uma vocação para se tocar a vida…”, como diria meu querido Gerson Borges.
Quem caminha a tardinha vê que Jequié tem um cheiro gostoso de banana da terra frita, cafezinho recém passado. Essa é uma marca especial da cidade.

Jequié é o espaço de nossas possibilidades. Em nossas ruas, praças, dentro de nossas próprias casas, nós nos movemos, construímos nossa existência, nossa vida. É aqui que acontecem as minhas novidades, minhas dores e alegrias. É aqui que exercito minha humanidade, meu jeito. É aqui que vivo. É aqui que sou útil, que me mostro, que sou gente.

Temos empresários corajosos que insistem em investir na cidade e aqui ou ali a gente percebe um novo empreendimento, alguém que parece afirmar: “eu acredito nisso aqui”.

Concordo que meu olhar é romântico e quase alienado. Eu sei que politicamente nós sofremos por todos os lados, economicamente somos pobres mesmo e nossa população sofre por ter pouca oportunidade em várias áreas, especialmente as ligadas às políticas públicas.

Ainda assim, me resta o fôlego, o desejo, a esperança utópica de olhar a cidade, do alto, e ver quanto ainda podemos crescer.

Eu quero ter isso, esse ponto de vista, como sonho, como meta.  Como sentido para continuar morando nesse lugar aqui e ter orgulho de ser jequieense. Sempre.

Eu quero ter a coragem de entender que em minha profissão eu posso fazer minha parte. Estudar mais, ser mais útil. Servir para alguma coisa.

Imagine só se esse tipo de pensamento despertar todo jequieense (político, profissional, morador simples ou importante) a fazer sua parte, a ajudar, a modificar e melhorar nossa realidade sofrida?

Se a gente conseguir despertar nosso gosto por nós mesmos, nosso respeito por nós mesmos, talvez a gente se levante desse borocoxô em que nos enfiamos diante de nosso espelho.

 

(Não sei de quem são os créditos da foto mas certamente é um jequieense).

 

 

 

 

 

 

Férias

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Comunico aos queridos pacientes e amigos que do dia 01 a 21 de janeiro de 2013 estarei em merecido período de férias.

Qualquer contato comigo poderá ser feito por e-mail e, assim que puder, responderei cada um com o carinho e a atenção de sempre.

Abraço e aproveitem também desse sol maravilhoso que temos. Quem puder, quem estiver no Brasil.

Aos que estão longe, um cheiro baiano com gosto de água de coco.

Coisas que só temos mesmo na Bahia.

Lá vamos nós.

E a família, como vai?

familia
Virou lugar comum falar que a família é o núcleo da sociedade. E, de fato, é assim mesmo. Mas independente dos diversos arranjos familiares, podemos distinguir dois movimentos claramente distintos que marcam a família nos últimos dias, especialmente por causa do efeito do capitalismo sobre a mesma.

Num primeiro movimento vejo que a família vai se fechando em si mesma. Ela se tranca em sua própria casa, até por causa da da insegurança, da violência urbana (além de outros fatores) e aproveita a possibilidade da diversão interna onde a TV, os celulares e a internet são o centro.

De um modo geral os pais se preocupam com os filhos. Os filhos, com o bem estar dos pais. Preocupam-se se estão bem alimentados, se estão com saúde, se está tudo bem. Pronto. Bastam esses ítens para se pensar: “minha família, minha vida”.

É a família para dentro. Todo mundo num mesmo teto, entendendo que ‘para cá’, ensimesmados, estamos protegidos dos perigos, dos desafios, das diferenças. Coisa típica desses últimos tempos em que o outro é sempre visto como inimigo, como meu concorrente, como meu adversário.

O outro, o vizinho, é aquele ser estranho que vive de outro jeito, normalmente compreendido por mim como ‘errado’ e que não me vale muito. “Eu não me misturo, não me perco, não me desgasto”, é o que parecem pensar.

O outro movimento da família atual é ainda mais intrigante e é um desdobramento do que citei anteriormente: apesar de estarmos voltados para dentro, a gente consegue ser mais amável, afável e agradável com as pessoas de fora. Com amigos, com nossos líderes, professores, gerentes, empregadores. Raramente tratamos os de dentro de casa com o mesmo amor, com a mesma tolerância, com a mesma gentileza.

É contraditório que queiramos o bem material (digamos assim) dos de nossa família quando o abraço, o apoio incondicional, a troca esteja sendo mais generosamente presente com os de fora, do que com os de dentro. É como se nossa tolerância tivesse um limite definido exatamente além das quatro paredes de minha casa.

É comum vermos famílias inteiras sem terem o que falar um com o outro, sem afinidades, sem o olhar livre e cúmplice pois a vida cotidiana trouxe-lhes alguma mágoa nunca tratada, alguma dor nunca perdoada e um perdão nunca liberado.

Viagens, boas escolas, roupas bonitas e presentes são garantidos aos nossos filhos. Tanto quanto podemos. O ouvido atencioso, o abraço acolhedor, o olhar que percebe se há algo de errado, as trocas verdadeiras e carinhosas são coisas mais raras.

Parece que a gente está absolutamente inclinado a entender que o que se pode tocar, o que é material, o que pode ser medido é o que de fato vale.

Amor não se encontra em qualquer prateleira para se comprar. Caso fosse assim, para muita gente seria mais fácil lidar com essas questões todas e ter a família integrada, saudável emocionalmente e feliz. Ia lá, comprava e, pronto. Tudo resolvido.

Que nossos relacionamentos sejam mais leves, agradáveis. Que o olho no olho queira dizer “te gosto” e de fato diga isso.

Que nossa humanidade seja mais humana. A começar de dentro de minha casa. E que reverbere para os de fora, pois isso nos fará bem.

Que eu aprenda a construir minhas relações interpessoais com a maior saúde possível, tendo como reflexo o que aprendi no meu berço, dentro de minha casa.

E que, em minha casa, de fato, haja o sincero sentimento de família. Sentimento vivido, experimentado, materializado em respeito, aceitação, perdão e tolerância. Além de diálogo.

Movimento gostoso, livre a acolhedor para dentro e para fora.