104 chamadas

luto.infantil

Chorei quando vi a postagem de uma criança de onze anos de idade no
facebook, fazendo referência à tragédia ocorrida em Santa Maria neste
último dia 27.01.2013. O texto, rápido e pequeno, dizia o seguinte: “o
bombeiro pegou o celular de um corpo e nele havia 104 chamadas da sua
mãe…”

A criança que postou esse texto é alguém que tem contato comigo.
Portanto, consigo compreender um pouco do que aquela frase significa
para ela pois há pouco tempo ela perdera a própria mãe, numa morte
súbita.

104 vezes é um número que indica o desespero de uma mãe ao tentar
falar com seu filho.

104 vezes são as tentativas de negar que de fato ele poderia ter
morrido nessa fatídica experiência.

104 vezes é um número que me fez chorar ao ver uma criança postando
esse texto em seu facebook, enquanto deveria estar brincando, se
divertindo ou se distraindo no mundo virtual.

Eu, na minha sensibilidade adulta, chorei, sim. Lágrimas por
compreender um pouco do que significa para uma mãe saber que pode ter
perdido um filho querido.

Mas sei que a criança responsável pela postagem não percebe como eu.
Sofre, sim. Sente saudades da mãe, mas nem de longe tem a mesma
concepção que eu, adulta, tenho sobre os sofrimentos da vida.

Há algum tempo prestei-me a observar e estudar crianças e adolescentes
em processo de luto.

Sempre ouço crianças que sofreram perdas e fico preocupada, não com
elas, mas com a forma com que suas famílias lidam com a morte de um
ente querido.

Vi muita gente julgando crianças em processo de luto pois estavam
brincando enquanto seus pais estavam enterrados.

De um modo geral os adultos esperam que as crianças tenham
comportamentos desesperançosos e deprimidos diante da morte de alguém
querido.

Outro dia uma criança me falou que a maior dificuldade que ela tinha
diante da morte do seu pai – e algo que a deixava muito triste – era o
julgamento de sua tia sobre ela: “nem parece que seu pai morreu. Você
nem chora!”.

Mesmo sofrendo perdas tão significativas como é a perda através da
morte, crianças possuem um olhar especial sobre a morte e, de fato,
precisam seguir suas vidas. Elas querem brincar, comer, viver suas
vidinhas como puderem. Sabem que a perda foi grande mas não querem
necessariamente sofrer. Parece que é assim que o coração infantil lida
com suas perdas.

Crianças lidam com a morte tendo como referência a concepção que sua
própria família tem dela. Se formos desesperados, a criança
‘aprenderá’ a reagir de forma desesperado. Se lidamos com a morte como
algo natural, certamente a criança entenderá que a morte é tão natural
quanto a vida e terá um olhar leve e saudável sobre ela e sobre perdas
de um modo geral.

Fica a dica: é normal ficar triste em meio a perdas, sim. É normal
chorar diante da sua própria dor ou diante da dor do outro, sim. Mas
vamos observar como nós, adultos, nos comportamos diante das nossas
perdas e diante de nossas crianças.