Meu paiol


Moramos, aqui em Jequié, interiorzinho da Bahia, entre a Caatinga e a Mata. Então, como já escrevi em outro espaço aqui, o clima oscila muito. A gente, quando faz frio aqui, sente a influência da mata e morre de frio. Tipo 13 ou 14 graus. Para nós isso é gelo.

Quando faz calor… muitíssimo calor. Chegamos a ter 45 graus. Ufa! Haja água, filtro solar e sombra!

Temos também o “Santo” Elomar. Um cabra retado de Vitória da Conquista que, da Casa dos Carneiros, consegue traduzir sofrimento em beleza, como fazia nosso memorável Luiz Gonzaga.

Um bocadinho de Elomar para você, neste fim de ano. E que a esperança que ele sinaliza em sua poesia bata em nosso rosto com ar de quem gosta de ser feliz.

Campo Branco (Elomar)

Campo Branco minhas penas que pena secou
Todo bem qui nóis tinha era a chuva era o amor
Num tem nada não nóis dois vai penano assim
Campo lindo ai qui tempo ruim
Tu sem chuva e a tristeza em mim

Peço a Deus grande Deus de Abraão
Prá arrancar as pena do meu coração
Dessa terra sêca en ança e aflição
Todo bem é de Deus qui vem
Quem tem bem lôva Deus seu bem
Quem não tem pede a Deus qui vem

Pela sombra do vale do ri Gavião
Os rebanho esperam a trovoada chover
Num tem nada não também no meu coração
Vô ter relempo e trovão
Minh’alma vai florescer

Quando a amada e esperada trovoada chegá
Iantes da quadra as marrã vão tê
Sei qui inda vô vê marrã parí sem querê
Amanhã no amanhecer
Tardã mais sei qui vô ter
Meu dia inda vai nascer

E essa tempo da vinda tá perto de vín
Sete casca aruêra cantaram prá mim
Tatarena vai rodá vai botá fulô
Marela de u’a veis só
Pra ela de u’a veis só

Glossário
Campo Branco: Tradução de Caatinga, expressão indígena
Ança: ânsia
Iantes das quadra asmarrã vão ter: Antes do ciclo biológico das cabras, elas vão parir
E esse tempo da vinda tá perto de vim: Expressão bíblica, derivada da profecia:
os tempos da ressurreição estão próximos.
Sete casca aruêra: árvore medicinal
Tatarena: árvore que se abre em flor, anunciadora da chuva

Terno de Reis – manifestação popular

Há coisas e pessoas que passam por nossas vidas forçando-nos ou conduzindo-nos a ver horizontes que jamais havíamos visto.

O curso de Pedagogia da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) foi, para mim, isso: um instrumento para me fazer abrir os olhos quanto à existência dos excluídos e para despertar, em mim, desejo de ir adiante, conhecê-los melhor, verificar muito além de seus limites, suas possibilidades e formas de expressão existencial.

Outro dia recebi a visita do Sr. Everaldo. O famoso Chiquim da Murinha. Flautista de Terno de Reis. E fiquei parada, no meu cantinho, ouvindo aquela figura de imensa riqueza popular com sua bicicleta, querendo resolver problemas ligados à sua comunidade num bairro periférico de Jequié – Ba.

Ou seja: ele está engajado! Socialmente ativo, apesar da idade, ele me convida com imensa alegria para assistir às próximas apresentações do seu grupo.

Foi o bastante para me fazer pesquisar, ler um pouco mais sobre aqueles misteriosos e belos sons que aparecem nas ruas desta cidade no fim do ano.

Eu não tinha muita clareza, mas agora entendo que Os Ternos de Reis são ligadas às comemorações natalinas. Manifestações populares que, usando o sagrado e o profano, festejam a vinda de Cristo.

Vejam só um pouco do que li e vi a respeito do assunto, em relação à letra e à música do Terno de Reis (Cortez):

“As estrofes de nossos ternos de Reis, são quadrinhas na maioria das vezes de feitura popular, heptasílabas que narram episódios referentes ao nascimento de Cristo. Podemos classificá-las como religiosas e profanas. As primeiras são aquelas que no seu conteúdo mantêm bem vivo o motivo cristão das comemorações da Bíblia. As profanas são as que fogem ao tema do ciclo natalino religioso. Mas antes desta narração encontram-se os versos de chegada ou de saudação, à porta da casa. Os versos compreendem vários ciclos: anterior ou véspera de 25, dia de Natal, de 25 à 1º do ano e de 1º de janeira ao dia de Reis. As estações são cantadas de acordo com o decorrer dos dias, e obedecem as seguintes principais frases: Chegada, Entrada, Louvação, Peditório, Agradecimento e Despedida.”

Disso, Cortez, eu não sabia! Obrigada pelas informações!

Há algum tempo eu e meus sobrinhos Camila, Netinho e Luan ficamos até muito tarde tentando saber de onde vinham os sons do Terno de Reis e não encontramos. Eles estavam por detrás de algum muro alto. Ou seja: as casas dessa cidade estão cada vez mais isoladas. Menos vizinhos, menos contato de povo com o povo. E, infelizmente, não encontramos o grupo. Um prejuízo para nós.

Este ano, não: já tenho o telefone do Sr. Chiquim e vou, sim, ver algumas das apresentações. Cultura popular é pouco do que nos resta. E sem essa de preconceito! Se eles não estão abertamente na mídia é por serem muito bons e comunicarem ao povo, ainda, coisas do povo. Muito bom. Muito bom!

E eu quero muito ir! Quero conhecer melhor isso tudo!

Fonte: foto