Espiritualidade x Deificação humana



Ontem eu e Joe ficamos até tarde falando sobre os desmandos da igreja dita evangélica atual (a ‘Gospel’) e da tristeza que sentimos ao percebermos tanta desorientação, falta de pureza, de respeito, de conhecimento da Palavra e de espiritualidade desses dias.

Nosso raciocínio foi iniciado a partir de nossa área de trabalho que é a música.

Falamos sobre a perversa Indústria Cultural (ver Adorno) que não poupou sequer a igreja atual. Todos, com raríssimas exceções, os programas veiculados na mídia estão injustamente vinculados a consumismo, a redução do ser humano a simples objeto, à coisificação da pessoa humana. É como se fôssemos jogados à sorte de todo tipo de vento de doutrinas, de pensamentos, de produtos que “você tem que comprar”.

O resultado disso tudo é um tremendo desprezo ao conhecimento, ao bom senso e à responsabilidade de se construir ações que realmente honrem e dignifiquem a vida, ao ser humano e ao próprio Deus.

Noções de estética, de respeito, de sinceridade, de pureza, de reverência às particularidades culturais passam longe de todo arcabouço de conhecimento (sic) de uma grande massa de pessoas que se dizem ‘apaixonadas’ e envolvidas na obra de Deus. Ética é coisa que nem de longe se sente o perfume, nesse caso.

Esta semana eu recebi a visita de uma amiga querida que afirmava desejar sair de sua igreja para fazer parte da minha. Ela é instrumentista e já havia sido convidada a trabalhar em minha igreja por várias vezes, mas nunca desejou sair da sua. O curioso é que eu não sou pastora – graças a Deus!, não sou tesoureira da igreja nem posso decidir pela igreja qualquer questão que passe por finanças. E senti dela o desejo de participar, mas de forma remunerada da nossa igreja.

Eu não estou questionando se os ditos ‘levitas’ devem receber dinheiro por seu trabalho ou não. Só acredito que essas coisas, já que a igreja não é uma empresa, passam necessariamente por gostar da igreja para onde se está indo, ter comunhão com os irmãos, fazer o trabalho – o que tiver de ser feito e estiver conforme as suas possibilidades de execução – de coração em “espírito e em verdade”. Dinheiro pode até vir, mas como conseqüência, não como causa para você estar lá.

Eu ainda me pergunto se minha amiga deseja é ter mais alegria no coração no convívio com outros irmãos que tenham uma linha mais próxima ao seu pensamento espiritual ou para ter um emprego e um salário garantido na conta no final do mês.

Ainda no meu trabalho também recebi o convite de um dito Pastor para que eu fosse trabalhar em sua igreja. Cuidar de algum departamento de música é realmente um prazer para mim e posso ajudar em alguma coisa. Mas o convite não ficou por aí. Sua sugestão era que eu pertencesse como membro de sua igreja até que eu conseguisse – e ia ser rápido – ser Ministra de Música.

Sei que há muitas instituições vendendo títulos por aí. Mas eu não sabia que seria tão fácil ser ministra, profetiza, sacerdotiza, pastora etc.

Graças a Deus este tipo de pretensão não passa por meu coração. Só que passam por mim e certamente atingirão outros/outras desejosos de obterem sucesso fácil e barato.

Penso que viver uma espiritualidade e uma religião que realmente nos ligue de novo a Deus passe necessariamente por se desligar desse mundo tangível e perverso, se afastar das típicas vaidades humanas e entregar-se ao Absoluto na simplicidade do viver.

Há tentações e é necessário se abster delas.

Eu estou imunizada.

Somos Um


Foi no último feriado de outono que encontrei e me debrucei sobre o livro Somos Um, de Jorge Camargo.
Nele, no livro, o Jorge re-conta breves histórias de sua própria vida e de apaixonantes personagens históricos como Irineu, Agostinho, Pseudo-Dionísio, Anselmo, Francisco de Assis, Teresa de Ávila, João da Cruz, Thomas Merton, nos quais Jorge se inspirou para compor músicas que, felizmente, acompanham a excelente obra literária que tenho em mãos. Que bom! (Obrigada, Joe!).

Em todos os textos o autor sinaliza pontos de intersecção, de ligação epistemológica entre ele mesmo e aqueles pensadores. Curiosamente eu também me vi, minúscula e ao mesmo tempo, participante entre eles. A identificação com o outro faz você se sentir parte integrante e foi exatamente isso que vivenciei.

Sentei-me no chão da sala da casa onde estou morando atualmente e, numa das muitas pausas para meditação, observei, não pela primeira vez, mas com maior profundidade, que estou defronte ao Cine Auditórium. Qualquer jequieense tem orgulho desse lugar por onde já passou tanta gente dessa nossa terrinha, que já foi cinema (que saudade dos matinés!) e já foi também até teatro.

Em anexo ao Cine Auditórium está o Centro Educacional Ministro Spínola que tanto contribuiu para o crescimento intelectual de nosso canto.

Do mesmo ponto onde estou, aqui no chão, logo ali, está o santuário da Imaculada Conceição. Tanto no “Ginásio” quanto no ‘Cine’ há inscrições romanas que não consigo discernir. Só sei que não foram escritas por acaso e vou procurar saber para postar por aqui os dois textos.

Meus colegas adolescentes do antigo Segundo Grau nos falavam que há uma ligação subterrânea entre a igreja e a casa do Padre. Não sei se isso é verdade, mas que haviam porões em nossas salas cheios de outras salas subterrâneas, existiam, sim. Os meninos afirmavam categoricamente que aquilo servia para proteção dos religiosos numa suposta guerra na cidade. Mas vem cá: não tivemos nenhuma guerra ou guerrilha por aqui, não, não é?

De qualquer jeito e voltando à ligação com o texto do Jorge, fiquei feliz por ter-me percebido num contexto, numa atmosfera de conhecimentos, curiosidades, riquezas culturais. Não me faltam poesias para viver.

A primeira música do Jorge, neste novo álbum, assinala que “Conhecer me ajuda a ser melhor.”

De fato, esta música é só o começo. Todas as faixas falam de amor, da imensurável riqueza de amar e de se espiritualizar. Da profunda importância de buscar a Deus, de dar um passo além de si mesmo, de se ampliar interiormente.

Amei!