Saudade

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Final de ano chegando e a gente fica pensando em um monte de coisa que passou, no que deixou para trás.

O tempo, o ano, as experiências boas ou ruins… Tantas emoções vividas, confirmando mais uma vez que, de fato, somos mais emocionais do que racionais.

O ser humano vai se vinculando à coisas e pessoas que lhe trazem alegria e, quando vê, já está atrelado, já está ligado de alguma forma. É como se pensássemos de forma organizada na mente que sem o outro eu não consigo seguir ou minha vida deixa de ser alegre.

Desde o Gêneses, está registrado que não é bom que o homem esteja só. A solidão vem sendo tema comum e deixa marcas em nossa existência.

Inevitavelmente estamos dizendo adeus a algo ou a alguém. Frequentemente a ideia de levar um tempo sem contato com o outro ou passar muito tempo sem encontrá-lo move o coração do homem e da mulher a um tipo de sentimento muito comum, muito humano, chamado saudade.

Dizem que a saudade é o mais humano dos sentimentos.

O compositor brasileiro João Donato nos dá um exemplo de como fica nosso coração quando o inevitável adeus ocorre:

“Você entrou no trem / E eu na estação / Vendo um céu fugir / Também não dava mais / Para tentar lhe convencer de não partir… / E agora, tudo bem / Você partiu para ver outras paisagens / E o meu coração embora / Finja fazer mil viagens / Fica batendo parado naquela estação….”

Donato relata a sensação de quem fica, com o coração ainda vivo, batendo, mas como se estivesse parado de tristeza e saudade ao saber que o ser amado já não está por perto e, por vontade própria, foi embora.

Rubem Alves diz que “saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”. É como se toda a nossa emoção dissesse: eu poderia vender tudo o que tenho pois encontrei uma pedra preciosa e a quero para mim, como diz a história bíblica.

Tom Jobim e Vinícius de Moraes , na música Chega de Saudade, implora: “Vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser / Diz-lhe numa prece / Que ela regresse porque eu não posso mais sofrer / Chega de saudade  /A realidade é que sem ela não há paz / Não há beleza / É só tristeza e a melancolia / Que não sai de mim, não sai de mim, não sai…”

Inúmeros artistas e pessoas comuns tentam, a seu modo, sobreviver a uma despedida. Lidar com a dor do adeus. Mesmo que esse adeus seja provisório ou definitivo.

Pessoas comuns, em todas as partes do mundo, quando vivem o momento da despedida sofrem a seu modo, cada qual com a bagagem emocional que recebeu de berço, que aprendeu, de alguma forma, com sua família ou com pessoas de seu convívio social.

Na canção intitulada “Um Lugar Vago na Mesa” o compositor cristão Gerson Borges retrata o sofrimento de um pai amoroso que, longe de seu filho, sofre a saudade de quem ama intensamente. O pai pede:

“Abra a janela pra mim, deixe esse pedaço amarelo / de tarde entrar,  antes que a noite me arraste, que a noite me afaste pra outro lugar, antes que o sono me falte, e a solidão me assalte. / Onde meu filho andará? Será que ele estará outra vez junto a mim?

Meu coração é de pai, meu coração não é pedra, é carne, é dor.  / Meu coração chora a ausência do filho querido que me abandonou. / Há um lugar vago na mesa que aumenta minha tristeza.  Onde meu filho andará?  Será que ele estará outra vez junto a mim?”

Parece que o maior desejo do coração humano seria o reencontro. Ver de novo aquela pessoa querida que há muito não vemos.

E isso se estende a lugares, coisas, tempos. Quem não sente saudade do cafezinho cm leite feito pela mãe à tardinha?

Quem não sente saudades daquela comidinha caseira? Outrora tão comum, tão humilde, mas qualquer sinal, qualquer cheiro que a relembre, nos traz uma dor, uma gostosa lembrança, talvez até um aperto no coração. E, sim, o que você está sentindo agora pode ser uma doce e inesquecível saudade do temperinho da mamãe.

Joel Birman, Psicoterapeuta brasileiro nos anima pontuando que  saudade pode até ser triste, mas é um sentimento positivo, que estimula a memória e a sensibilidade. Ele argumenta que “não dá para viver sem saudade. A saudade é inspiradora, criativa. Não podemos pensar que a saudade é um sentimento do mal. O sentimento complicado é a perda que vira depressão, melancolia, drama. Há uma dimensão alegre na saudade.”

Ainda para Birman: “Não dá para viver sem saudade. A saudade é inspiradora, criativa. Não podemos pensar que a saudade é um sentimento do mal. O sentimento complicado é a perda que vira depressão, melancolia, drama. Há uma dimensão alegre na saudade”,

Embora o afastamento de quem amamos possa provocar tristeza, nostalgia e angústia, geralmente quando matamos a saudade sentimos alegria. O reencontro é algo que afaga nossa alma e nos acolhe com alegria.

O sentimento e a possibilidade do reencontro tem o poder de nos trazer esperança e de reanimar nossa alma.

Podemos matar a saudade de várias formas. Revivendo na memória momentos alegres,  revendo fotos ou vídeos antigos, conversando sobre o assunto ou reencontrando a pessoa querida. Podemos revisitar lugares queridos.

Saudade não é só sentimento que dói. Posso usá-la como inspiração, como um motivo para prosseguir. De alguma forma, esse sentimento pode vir a meu favor para que eu crie uma doce e corajosa vontade de seguir. Depende do jeito que interpreto meu próprio sentimento.

 

E você? Do que tem saudade?

 

 

 

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