MADRASTA

madrasta

Desde pequenos somos acostumados a entender que madrastas são pessoas más.

Pelo Aurélio, madrasta é adjetivo de mulher pouco carinhosa, que maltrata filhos do anterior relacionamento do marido.

As famosas histórias infantis da Cinderela, de João e Maria, da Branca de Neve, contadas pelos  Irmãos Grimm, dão conta desta figura enigmática, ameaçadora, malvada, capaz das maiores atrocidades possíveis contra crianças: a madrasta.

Dizem que se madrasta fosse uma boa figura, ela se chamaria “boa-drasta”, não “má-drasta”.

Na vida real, cá entre nós, temos aqui ou ali algumas histórias muito tristes, que chocam a sociedade.

Crianças que são maltratadas e até mortas e, quando se investiga melhor o caso, lá está ela, a madrasta: envolvida, julgada, condenada como culpada. Os casos da pequena Isabela e do menino Bernardo nos assombram, nos amedrontam.

Diante disso, perguntamos:

  • Seria possível haver uma relação de amor entre crianças e madrasta?
  • É possível que as duas possam conviver pelo menos pacificamente, respeitando cada uma o espaço e os desejos da outra?
  • Qual o papel do pai no andamento dessa relação?
  • Todo vínculo entre madrastas e enteados será sempre conflituoso?

A primeira questão que eu gostaria de pontuar é que toda e qualquer relação pode ser transformada em um vínculo de amor, de diálogo, de tolerância.

Além disso, os adultos da relação, pais, mães e madrastas ou até padrastos, devem se posicionar como pessoas maduras que serão responsáveis pela saúde emocional dos filhos e se esforçar para que o convívio entre todos seja o mais leve e respeitoso possível.

A madrasta que ama seu marido entenderá que se buscar a paz com os filhos do marido estará provando seu amor por seu companheiro: É natural que os pais gostem e se sintam gratos a quem trate bem seus filhos.

Ela deverá compreender que ela não é mãe dos filhos do marido e se posicionar como alguém que apenas acolhe, ouve, respeita e convive (se for o caso) com eles. Se for necessário definir limites, que seja feito em conversa com toda a família, para que ela, a madrasta, não se sinta menosprezada, humilhada e preterida na relação familiar.

A madrasta que se gosta e se conhece, que tem uma boa autoestima, não se sentirá ameaçada pelos filhos da outra, pois ela entende que seu marido a ama.

A madrasta sábia e madura entenderá que o amor do companheiro por ela é diferente do amor dele por seus filhos e estimulará seu parceiro a ser bom pai.

Vale ressaltar que amor de pai é um e amor de esposo é outro. Amores diferentes para pessoas diferentes. E um tipo de amor não anula o outro.

O pai poderá desempenhar o papel do homem conciliador. Do homem que busca compreender os sentimentos conflituosos que porventura surjam e consiga acolher tanto sua companheira quanto seus filhos, tendo o cuidado de não jogar um contra o outro.

Essas pequenas e rápidas dicas passam necessariamente pela nossa capacidade de ser gente, de ser humano.

Se eu posso ser uma pessoa melhor dentro de meu lar e construí-lo como um lugar de paz e de harmonia, se isso estiver em minhas mãos, é o que deverei fazer.

Mito da Grama Verde

inveja

Você acorda de manhã, descabelada, e vê sua vizinha toda arrumada, indo para o trabalho de carro com seu marido alto, bonito e forte.

 

Você sente inveja daquilo tudo e ainda percebe que os filhos da vizinha são belos e saudáveis, que tudo por lá parece funcionar adequadamente e que a grama do jardim da casa da vizinha está sempre aparada, renovada e verde.

 

A casa do vizinho é invejável. A sua, não.

 

Você valoriza cada detalhe de lá. Da sua casa, não.

 

Você dá valor e alto preço a tudo o que acontece e parece acontecer (principalmente parece acontecer) por lá e, nesse exercício de incapacidade de olhar para si mesma, você não consegue perceber quanta riqueza, quanta potencialidade há em suas mãos, em seu próprio interior, em sua própria casa.

 

Você se esquece de ver as coisas boas de você mesma.

 

A vida dos outros parece ser a vida mais fácil de ser vivida.

 

E você tem dificuldade de compreender as lutas, os dessabores e o esforço que os donos da casa ao lado fazem para manter tudo, pelo menos aparentemente, em dia.

 

O que é difícil perceber, neste contexto, é que a casa ao lado também tem lá suas dores e suas emoções negativas.

 

Todos nós, humanos, as temos.

 

E se alguém quiser se livrar disso, torne-se algo que não seja humano.

 

De perto, na vida real, nós todos possuímos dificuldades. Dizem que de perto, ninguém é normal. Aqui ou ali, nossas neuroses se mostram, se revelam.

 

Em sua casa, no seu próprio mundo, no seu interior, em sua alma, dá para construir um lugar bonito.

 

É possível dar uma nova cor aos seus pensamentos, dar um novo significado às suas antigas dores, rever suas queixas atuais.

 

A vida do outro será melhor que a sua se você focar sua atenção na vida do outro.

 

Mas se você conseguir dar um novo fôlego à sua casa, um novo cuidado (do ponto de vista mais amplo possível), você poderá compreender que sua casa pode ser bela, agradável e verdadeiramente acolhedora.

 

E melhor que isso, desconstruir o mito de que o outro vive melhor que você é um bom começo para escrever você mesmo e para você, uma nova história de amor, beleza e paz.

 

 

Superstição

superstição

Conheço uma música boa de cantar do compositor brasileiro João Gilberto que diz assim: “Vivo esperando e procurando um trevo no meu jardim / Quatro folhinhas nascidas ao léo / me levariam pertinho do céu /feliz eu seria / e o trevo faria / que ela voltasse para mim. / Vivo esperando e procurando um trevo no meu jardim.”

Parece música de criança e realmente só uma criança para acreditar que um trevo de quatro folhas, mesmo raro e interessante, teria o poder de me trazer quem amo de volta.

Você fica feliz quando encontra um trevo de quatro folhas?

Você evita passar debaixo de escadas?

Você coloca sua cueca da sorte quando seu time vai jogar?

Fica temeroso quando vê um gato preto?

Evita pisar no chão com o pé esquerdo quando acorda ou faz o possível para entrar com o pé direito nos ambientes nos quais você entende que precisa de boa sorte?

Passar o réveillon usando a cor branca em todas as peças de roupas?

Você acredita que colocar um elefante de costas para a rua em sua casa ou trabalho atrai dinheiro e prosperidade?

Você acredita que precisa limpar toda a sua casa e afastar os maus espíritos se alguém, ainda que pertença à sua família, acaba de sair dela?

Então provavelmente você é supersticioso.

O superticioso obedece a todas essas regrinhas e muito mais.

As pessoas se cercam de todos os modos, de amparos e certezas, para apaziguarem suas inseguranças em relação ao seu destino.

Desde que nascemos, o medo do desamparo é presente na vida humana.

Carregamos em nossa essência uma certa sensação de vulnerabilidade.

Temos crendices de sobra e parece que nossa saúde emocional está amarrada a um monte de crenças em que nos apegamos como crianças inocentes que não conseguem discernir a realidade do mito, a verdade do imaginário.

Para Manoel Thomaz Carneiro “Chegamos ao mundo com uma “Estrutura Psicológica” que não nos habilita a darmos conta sozinhos da vida. Por isso desde que nascemos precisamos de olhos que nos acolham, que adivinhem as nossas necessidades. A sensação de confiança em si mesma, como pessoa, é desenvolvida a medida que os nossos “protetores” nos incentivam primeiro diante dos olhos deles a experimentarmos as ações independentes. Os cuidados que recebemos vão sendo internalizados gradualmente como sensação de amparo, que amortizam as nossas inseguranças, de modo que possamos de certa forma viver com medos mais apaziguados.”

Se a criança é educada com a maior segurança possível por parte dos pais ou cuidadores e ela aprende a confiar em si mesma, ela vai aprendendo a ser cada vez mais livre de pensamentos negativos, escravizadores e ou limitadores de sua liberdade.

Paulo Freire, educador brasileiro, dizia que nossa vida não é escrita de determinismos, mas de possibilidades. Isso significa que podemos construir nossa história do jeito que quisermos e que nosso caminho, nossa vida, pode ser escrita diariamente, da melhor forma possível.

Autoridade x Autoritarismo

pai.infantil

 

Hoje eu tive a felicidade triste (se é que isso é possível) de conversar um pouco com uma pessoa daqui de Jequié que tem uma história incrível ligada àqueles tempos de ditadura. Não citarei seu nome por uma questão de ética, mas ele é uma memória viva dos desmandos e prejuízos (daí minha tristeza) implantados no Brasil há 50 anos.

Humana que sou, fiquei emocionada ao ouvir suas histórias, alguns relatos, coisas que sangram e até hoje, de alguma forma, marcam até as atuais gerações em seu comportamento, no seu jeito de ver e compreender a realidade, dentre outras influências. No livro Brasil Nunca Mais, temos alguns exemplos da quão desumana foi aquela experiência.

A sociedade brasileira reagiu tão fortemente aos horrores daquele tempo que, na tentativa de expurgar de uma vez por todas qualquer tipo de autoritarismo que lembrasse aqueles dias, acabou se atropelando entre conceitos de autoridade e autoritarismo (coisas muito diferentes uma da outra) e, ficamos assim: temos medo de exceder em força na criação de nossos filhos e nos tornamos pais e mães extremamente permissivos, com medo de dizer não, de definir limites, de nos posicionarmos como adultos que somos na relação entre pais e filhos.

Extremos sempre foram muito perigosos.

Oscilando entre gritar e conversar, entre dar ordens e dialogar, entre respeitar nossas próprias convicções e ceder às primeiras birras de nossos pequenos, nos tornamos pais infantis, com sérias dúvidas sobre quais decisões tomar a respeito deles, enquanto ainda estão conosco e/ou enquanto não podem tomar conta de seus  próprios narizes.

Somos pais inseguros, permissivos e temos medo de falar aos nossos filhos o que pensamos, nossos posicionamentos. Já vi pais que tem medo de errar, pois tem pavor de que seus filhos descubram suas fragilidades.

Entendo que uma das cicatrizes que temos como sociedade, fruto de 64, é que fazemos uma tremenda confusão entre democracia e autoritarismo, a ponto de compreendermos que democracia é apenas falar o que se quer falar.  E democracia não é somente isso.

Mas se fôssemos classificar o principal trauma do golpe em nossas atuais gerações, talvez seja exatamente este: o de confundirmos, em nosso senso comum, autoridade com autoritarismo, numa tentativa quase inconsciente de expulsar de nosso meio este último.

Crianças superpoderosas e pais fragilizados. Crianças que tudo podem sem ainda sequer terem o poder apropriado de discernimento sobre o que seria a melhor ou a pior decisão para suas ações.

Nossa sociedade ainda geme as dores (inconscientes) de um tempo que não se pode esquecer.