Baleia Azul

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(Transcrevo integralmente abaixo minha conversa pelo whatszapp com uma adolescente muito querida de 16 anos de idade, para sondar como andava sua cabeça acerca do jogo que tem preocupado muitos pais e autoridades atualmente):

– Querida, o que você acha do Baleia Azul?

– Eu acho que o povo, os pais, tão sendo idiotas de acharem que o jogo tá fazendo as pessoas se matarem. Não é o jogo. O jogo só faz aquilo (eu vi a lista de coisas que o jogo pede)… só faz aquilo que já tá destruído mentalmente, emocionalmente, entendeu? Porque eu nunca faria aquilo. É uma coisa para mim que não tá em meu alcance. Mas se a pessoa vir aquilo e faz, é porque ela já tá levando a sério, é porque ela já tá num estado já ruim. Aí os pais ficam achando que é só ver a lista que o filho já vai sair fazendo. Não. É outra coisa, meu filho: o jogo só é uma consequência. Mas esses jovens que tão fazendo já tão destruídos emocionalmente, antes mesmo do jogo surgir.

-Concordo, linda. Mas e os controles? E as tarefas? E as ordens? Como é que o adolescente ou o jovem fica quando começa a jogar? As tarefas vão sendo dadas… Lembra do Black Miror? Houve um episódio em que aparecia um hacker que ia dando ordens para as pessoas fazerem tarefas e se não as fizessem seriam penalizadas. Eu penso que o jogo Baleia Azul seja um pouco parecido com aquilo.

As tarefas, tia, são assim: “faça um corte em sua mão, se corte! Faça tal corte! Assista a vários filmes de terror durante a noite! Tal prova o seu mentor vai te dar…” É meio bizarro assim, sabe? Um negócio assim que você tem que tá mal, véi. É um negócio meio pesado. Eu vi, achei meio… é… eu não faria nada daquilo, sabe? A pessoa tem que tá muito mal. O que o povo não percebe é que a gente tá mal. Muito mal, muito tempo. Só que é aparecer um jogo desse pra estourar de vez, o povo vai achando que foi agora que os jovens começaram a se suicidar. É isso, tia. Black Miror é (como é que fala?): apocalíptico. Eu não sei. Rs. Como é? Profetizador. Ah, não sei! Parece que é uma visão futurista darealidade. Mas, enfim. O jogo é… dá pra ver, dá pra imaginar que a pessoa que começa a fazer aquilo, ela começa a ficar dentro daquilo porque… é tipo assim: “faça isso!” Aí a pessoa vai e faz. Aí, por exemplo, na segunda tarefa, você, ou faça tal desenho com um corte no seu pulso. Se você não fizer, se corte todo. Ou seja: se puna. e se a pessoa não leva a sério aquilo, véi, ela fica presa. A cada prova a coisa vai piorando… e no final, que é se matar, é claro que a pessoa já tá numa situação horrível. Não é uma pessoa saudável que vá jogar aquilo, tia, pelo amor de Deus, né?

– E você está ruim, amor?

– Não tou maravilhosa. Estou melhor. Eu tou conversando mais, fazendo mais amizades. Tou melhor… Mas, assim, mesmo eu estando mal, eu acho que eu não entraria num jogo desses, porque, tipo assim, tia, uma coisa que o povo tem que perceber é que tem muita gente depressiva por aí, entendeu? E quando a pessoa se expressa a gente acha logo que é drama, né? Só que aí chega um jogo desse, e é a única forma que a pessoa tem para se expressar, vamos dizer assim. Então, na verdade, não é porque estou triste que vou jogar um jogo assim. É gente depressiva. Não é o jogo que tá fazendo o povo se matar. O jogo só tá mostrando que tem muita gente mal.

– Obrigada, amore, por clarear minha visão.

– Tchau.

Tenho visto nas redes sociais as pessoas falarem que a juventude precisa de palmada, de surra, de repreensão.

Que bom saber que o olhar do adolescente sobre os adolescentes e jovens envolvidos no jogo Baleia Azul é mais tolerante e acolhedor do que de alguns adultos que estão atordoados, amedrontados e fragilizados diante do horror imposto pelo jogo.

Como Psicanalista eu me posiciono a favor de obtermos conhecimento sobre o assunto, levarmos a sério o sofrimento dos jovens/adolescentes a ponto de os levar a participar de eventos tão densos como o desse jogo, de drogas e outros perigos que podem lhe conduzir à morte.

Também penso que o caminho do castigo não resolva. Pensemos que o próprio jogo Baleia Azul propõe castigos que são levados a sério pelos jovens. Ou seja: penalidades às vítimas só fortalecerá o intuito do próprio jogo.

Pais e responsáveis deveriam, sem medo e com a segurança que se espera da parte dos adultos, conversar sobre o assunto, sem julgamentos com os adolescentes/jovens. Ouvir atentamente a posição deles, escutar o que diz seu coração.

Aliás, pouco se tem hoje em dia de colo, de tempo qualitativo dispensado aos filhos, de amor tolerante e firme. Os pais têm medo de dizer “não”. Medo de determinar limites.

Peso que dar tratamento firme e confiante para com os pequenos não signifique agir com autoritarismo. Por outro lado, ter medo de lidar com as angústias das crianças também não resolveria. Esses são dois polos perigosos na nossa relação interpessoal, principalmente quando consideramos que a criança/adolescente espera de nós firmeza e segurança.

Acredito que não há jogo, poder, terror ou morte que não possam ser vencidos pelo amor constante, pelo posicionamento firme e seguro, pela mão acolhedora e por um ouvido disposto a segurar tensões e problemas interiores de nossas pequenos.

Aliviada pela postura adolescente, leve e madura da pessoinha do meu bate-papo, compartilho esse texto para que a gente possa ver como nossos pequenos são criativos, engraçados, intensos e profundos.

Ainda há chance para essa nova geração. Depende de nós. De todos – TODOS – nós. 

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