Assisti neste último domingo ao filme “Diários de Motocicleta” que aborda a vida de Che Guevara enquanto percorria quase toda a América do Sul junto com seu amigo. Os dois numa motocicleta apelidada de “a poderosa” embora estivesse, desde o início da viagem, em precário estado de conservação.
É coisa da alma jovem o desafio de conhecer, a aventura da vida. Comum. Entretanto, no caso dois, penso que a aventura foi extremamente exagerada. Embora necessária e produtiva.
Enquanto percorriam os belos lugares daquela região, foram percebendo que havia pessoas – e muitas eram elas – que sofriam as injustiças sociais de seu tempo.
Essa impressão foi tão forte para os aventureiros viajantes que modificou o jeito de pensar e agir daqueles que haviam saído da Argentina e influenciou toda uma geração a ponto de ficarem plantadas sementes importantes de profundidade epistemológica acerca da nossa velha América.
Confesso que eu e Joe fomos levados a assistir ao filme acima mencionado devido à música “Al Otro Lado del Río” – de Jorge Drexler, que ganhou neste ano o Oscar de melhor canção. Uma delícia. Pensamos inicialmente que íamos ver as lutas e estratégias utilizadas pelo Che à busca da libertação da América do Sul, mas vimos apenas o início de sua trajetória e a nascente de suas percepções sobre as injustiças existentes naquele período. Valeu a pena ver o filme e voltar a ouvir a música – meu presente do dia dos namorados (obrigada, Joe, mais uma vez!).
Quero pontuar um dos momentos – para mim – mais admiráveis do filme: uma criança de mais ou menos 10 anos de idade apresenta ao Che Guevara a ‘Cidade Perdida’ de Machu Picchu, no Peru.
O menino mostrava uma parede daquelas de Machu Picchu. Uma obra de arte!. Aquilo havia sido feito, como toda a cidade, pedra sobre pedra; sem utilização de cola ou cimento. E aquele menino, com grande orgulho da construção Inca, mostrava ao Che logo adiante – um metro talvez – uma parte que havia sido destruída pelos Espanhóis. Na tentativa de reconstruir eles – os espanhóis – nem chegaram perto da magnitude da sabedoria dos Incas e acabaram fazendo de qualquer jeito, um amontoado de pedras sem graça, sem arte. Sem qualquer riqueza de estilo.
O que me chamou a atenção é que o menino, embora fosse apenas uma criança, banalizava o serviço mal feito dos espanhóis. É como se ele possuísse um sentimento tão intenso de pertencimento, além de valorizar tanto sua própria cultura, que desprezava a presença do outro – que era o invasor. Aquele menino me fez refletir muito durante o fime e ainda depois dele.
Machu Picchu é patrimônio Cultural da Humanidade. Depois da invasão espanhola, a floresta tomou o cuidado de abraçar as ruínas da cidade e escondê-la (protegê-la) para os próximos séculos.
O mundo sabe das riquezas das Américas e da profunda cultura que ficou e é escondida de muitas formas por aqui. Nossos livros acadêmicos falam muito mais da história européia do que de nossa própria história. Nem sabemos, por exemplo, porque a bandeira de Jequié, aqui da Bahia, possui oito estrelas.
Mal sabemos o que produzimos. Pouquíssimo conhecemos nossa cultura e ainda afirmamos que somos culturalmente pobres. É como se não tivéssemos em que contribuir intelectualmente para a cosntrução de nosso próprio futuro. Assim, o mais fácil é aceitar mesmo as imposições norte americanas e européias, assim como estamos convictos de que para ser bonita, a mulher brasileira precisa possuir cabelos lisos e cumpridos e ser magérrima.
Os jovens da Rússia usam bonés ao invés das antigas boinas que lhes aqueciam o intenso frio.
Estou, neste momento, de calças Jeans. E o calor lá fora…
Temos vergonha de falar espanhol. Estudar esse idioma? Nunca! “É engraçado e parece a turma do Casseta falando errado. ” – Foi o que ouvi outro dia de um amigo dito culto, inteligente.
Meu sotaque tem sido constantemente trocado intensionamente por um jeito de falar globalizado. Vindo de cima para baixo, tão autoritariamente imposto, maior que eu.
Nossas verdades são relativizadas todos os dias. Não temos voz. Não temos vez.
Quando Roma invadiu a Grécia, os romanos foram enfeitiçados pela cultura grega.
A Babilônia pedia aos hebreus que fossem cantados os hinos de Sião.
O dominador, historicamente está provado – pode ser dominado se eu tenho enraizado profunda e fortemente o sentimento de pertencimento; se conheço e tenho orgulho de minhas raízes, de minha própria história.