Liberdade Feminina

liberdade
Neste mês de março em que comemoramos em todos os cantos o Dia Internacional da Mulher quero pensar nas mulheres que ainda estão aprisionadas a companheiros autoritários e violentos.

É triste perceber que mesmo que sejam bem sucedidas, que tenham seu emprego e sua independência, que tenham apoio incondicional da família, ainda vivam ligadas, dependentes emocionalmente daqueles que, ao invés de serem seu porto seguro, seu ajudador, sua fortaleza são estranhos distantes e violentos.

Àquelas que ainda suportam a crueldade, a maldade e a infidelidade de seus algozes, desejo força, coragem e desenvolvimento de uma autoestima suficiente para erguer novos e libertadores vôos.

Desejo que conheçam a Lei Maria da Penha, que também foi uma mulher sofrida e hoje é uma das maiores entusiastas da causa feminina neste país.

E, de coração, ofereço a música/poesia da banda Crombie, O Passarinho e Sua Esperança:

“Numa gaiola vive preso por quem deseja ouvi-lo cantar
Como os que vivem livres e voam pra qualquer lugar
E fica olhando o dia passando pra noite chegar
E fica olhando a noite passando até clarear.

Seu universo tão pequeno espaço suspenso no ar
Viveu a vida inteira aprendendo a esperar
E canta sua esperança deixa a tristeza pra lá
Quem sabe ainda hoje seja livre pra voar.

Voar…”

Que haja liberdade, amor, alegria no rosto de cada mulher que encontrarmos pela vida.

Que sejam livres por dentro e por fora, nas emoções e no pensamento.

Que sejam livres fisicamente. Donas de seu próprio corpo e destino.

Livres.

Contatos: www.iedasampaio.com.br, iedasampaio@gmail.com ou 9976-7560.

104 chamadas

luto.infantil

Chorei quando vi a postagem de uma criança de onze anos de idade no
facebook, fazendo referência à tragédia ocorrida em Santa Maria neste
último dia 27.01.2013. O texto, rápido e pequeno, dizia o seguinte: “o
bombeiro pegou o celular de um corpo e nele havia 104 chamadas da sua
mãe…”

A criança que postou esse texto é alguém que tem contato comigo.
Portanto, consigo compreender um pouco do que aquela frase significa
para ela pois há pouco tempo ela perdera a própria mãe, numa morte
súbita.

104 vezes é um número que indica o desespero de uma mãe ao tentar
falar com seu filho.

104 vezes são as tentativas de negar que de fato ele poderia ter
morrido nessa fatídica experiência.

104 vezes é um número que me fez chorar ao ver uma criança postando
esse texto em seu facebook, enquanto deveria estar brincando, se
divertindo ou se distraindo no mundo virtual.

Eu, na minha sensibilidade adulta, chorei, sim. Lágrimas por
compreender um pouco do que significa para uma mãe saber que pode ter
perdido um filho querido.

Mas sei que a criança responsável pela postagem não percebe como eu.
Sofre, sim. Sente saudades da mãe, mas nem de longe tem a mesma
concepção que eu, adulta, tenho sobre os sofrimentos da vida.

Há algum tempo prestei-me a observar e estudar crianças e adolescentes
em processo de luto.

Sempre ouço crianças que sofreram perdas e fico preocupada, não com
elas, mas com a forma com que suas famílias lidam com a morte de um
ente querido.

Vi muita gente julgando crianças em processo de luto pois estavam
brincando enquanto seus pais estavam enterrados.

De um modo geral os adultos esperam que as crianças tenham
comportamentos desesperançosos e deprimidos diante da morte de alguém
querido.

Outro dia uma criança me falou que a maior dificuldade que ela tinha
diante da morte do seu pai – e algo que a deixava muito triste – era o
julgamento de sua tia sobre ela: “nem parece que seu pai morreu. Você
nem chora!”.

Mesmo sofrendo perdas tão significativas como é a perda através da
morte, crianças possuem um olhar especial sobre a morte e, de fato,
precisam seguir suas vidas. Elas querem brincar, comer, viver suas
vidinhas como puderem. Sabem que a perda foi grande mas não querem
necessariamente sofrer. Parece que é assim que o coração infantil lida
com suas perdas.

Crianças lidam com a morte tendo como referência a concepção que sua
própria família tem dela. Se formos desesperados, a criança
‘aprenderá’ a reagir de forma desesperado. Se lidamos com a morte como
algo natural, certamente a criança entenderá que a morte é tão natural
quanto a vida e terá um olhar leve e saudável sobre ela e sobre perdas
de um modo geral.

Fica a dica: é normal ficar triste em meio a perdas, sim. É normal
chorar diante da sua própria dor ou diante da dor do outro, sim. Mas
vamos observar como nós, adultos, nos comportamos diante das nossas
perdas e diante de nossas crianças.

A cidade e sua autoestima

 

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Gosto de atender durante o dia  – embora quase nunca tenha tempo para tanto, já que trabalho como analista à noite.

Para um rápido exercício de cognição eu costumo levar, à luz do dia,  meus pacientes à janela do consultório para que eles me falem o que conseguem ver.

Lá do nono andar do Edifício Multicenter eles descrevem um monte de coisas negativas: afirmam que as montanhas aumentam o calor da cidade, que lá embaixo o rio de Contas está poluído e não se pode usá-lo como lazer, que as pessoas que passam na rua são pobres e estão sob um sol causticante, sofrendo calor.

Eles mesmos chegam à conclusão de que seu olhar é negativo. E riem de si mesmos.

Não conseguem ver que, embora as montanhas aumentem, de fato, o calor da cidade, elas nos dão um charme especial tal qual os montes em Jerusalém, tão cantados na Bíblia. Não entendem que o rio, embora infelizmente poluído,  nos dá um encantamento emocional importante pois é nosso; O rio traça uma linha brilhante bem no meio da cidade, por onde quer que formos e as pessoas, pobres financeiramente, sim, em sua maioria, mas moradoras e construtoras de nossa cultura, de nossa identidade municipal.

E quem disse que só o fator financeiro define se a pessoa é rica ou pobre?

Ou seja: nossos olhos podem, sim, melhorar, sempre. E vemos o que queremos ver.

Além das inúmeras mangueiras, carregadas de frutas deliciosas que vemos pela janela. Tudo tem seu lado ruim, está certo; mas há um lado bom em todas as coisas. Depende de como nós as vemos.

Nossos líderes políticos raramente olham por nós com generosidade. Isso é um fato. Se nos compararmos à Vitória da Conquista, aqui pertinho, vamos nos encolhendo pelo tanto que eles crescem, que progridem, que se erguem e se movem com destino ao sucesso. Além das mulheres e homens chiques com roupas que aparentemente lhes aproximam da Europa ou dos bem sucedidos lugares frios do mundo. Também isso é um fato.

Mas nosso olhar, insisto, ainda é negativo, submisso, como se fôssemos coitadinhos. Patinhos feios. É o famoso mito de que a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa.

E o jequieense vai tropeçando em seu sotaque, desrespeitando sua cultura popular a cada dia, desprezando seus pontos positivos, sua potencialidade de crescer, de ter seu próprio lugar ao sol.

Ser jequieense é perceber-se entre a caatinga e a mata e descobrir o que há de bom em pertencer a um bioma assim.

Ser jequieense, baiano, “nordestino não é um destino, é qualificação de nascimento, é um chamamento, uma vocação para se tocar a vida…”, como diria meu querido Gerson Borges.
Quem caminha a tardinha vê que Jequié tem um cheiro gostoso de banana da terra frita, cafezinho recém passado. Essa é uma marca especial da cidade.

Jequié é o espaço de nossas possibilidades. Em nossas ruas, praças, dentro de nossas próprias casas, nós nos movemos, construímos nossa existência, nossa vida. É aqui que acontecem as minhas novidades, minhas dores e alegrias. É aqui que exercito minha humanidade, meu jeito. É aqui que vivo. É aqui que sou útil, que me mostro, que sou gente.

Temos empresários corajosos que insistem em investir na cidade e aqui ou ali a gente percebe um novo empreendimento, alguém que parece afirmar: “eu acredito nisso aqui”.

Concordo que meu olhar é romântico e quase alienado. Eu sei que politicamente nós sofremos por todos os lados, economicamente somos pobres mesmo e nossa população sofre por ter pouca oportunidade em várias áreas, especialmente as ligadas às políticas públicas.

Ainda assim, me resta o fôlego, o desejo, a esperança utópica de olhar a cidade, do alto, e ver quanto ainda podemos crescer.

Eu quero ter isso, esse ponto de vista, como sonho, como meta.  Como sentido para continuar morando nesse lugar aqui e ter orgulho de ser jequieense. Sempre.

Eu quero ter a coragem de entender que em minha profissão eu posso fazer minha parte. Estudar mais, ser mais útil. Servir para alguma coisa.

Imagine só se esse tipo de pensamento despertar todo jequieense (político, profissional, morador simples ou importante) a fazer sua parte, a ajudar, a modificar e melhorar nossa realidade sofrida?

Se a gente conseguir despertar nosso gosto por nós mesmos, nosso respeito por nós mesmos, talvez a gente se levante desse borocoxô em que nos enfiamos diante de nosso espelho.

 

(Não sei de quem são os créditos da foto mas certamente é um jequieense).

 

 

 

 

 

 

Férias

férias.verão

Comunico aos queridos pacientes e amigos que do dia 01 a 21 de janeiro de 2013 estarei em merecido período de férias.

Qualquer contato comigo poderá ser feito por e-mail e, assim que puder, responderei cada um com o carinho e a atenção de sempre.

Abraço e aproveitem também desse sol maravilhoso que temos. Quem puder, quem estiver no Brasil.

Aos que estão longe, um cheiro baiano com gosto de água de coco.

Coisas que só temos mesmo na Bahia.

Lá vamos nós.

E a família, como vai?

familia
Virou lugar comum falar que a família é o núcleo da sociedade. E, de fato, é assim mesmo. Mas independente dos diversos arranjos familiares, podemos distinguir dois movimentos claramente distintos que marcam a família nos últimos dias, especialmente por causa do efeito do capitalismo sobre a mesma.

Num primeiro movimento vejo que a família vai se fechando em si mesma. Ela se tranca em sua própria casa, até por causa da da insegurança, da violência urbana (além de outros fatores) e aproveita a possibilidade da diversão interna onde a TV, os celulares e a internet são o centro.

De um modo geral os pais se preocupam com os filhos. Os filhos, com o bem estar dos pais. Preocupam-se se estão bem alimentados, se estão com saúde, se está tudo bem. Pronto. Bastam esses ítens para se pensar: “minha família, minha vida”.

É a família para dentro. Todo mundo num mesmo teto, entendendo que ‘para cá’, ensimesmados, estamos protegidos dos perigos, dos desafios, das diferenças. Coisa típica desses últimos tempos em que o outro é sempre visto como inimigo, como meu concorrente, como meu adversário.

O outro, o vizinho, é aquele ser estranho que vive de outro jeito, normalmente compreendido por mim como ‘errado’ e que não me vale muito. “Eu não me misturo, não me perco, não me desgasto”, é o que parecem pensar.

O outro movimento da família atual é ainda mais intrigante e é um desdobramento do que citei anteriormente: apesar de estarmos voltados para dentro, a gente consegue ser mais amável, afável e agradável com as pessoas de fora. Com amigos, com nossos líderes, professores, gerentes, empregadores. Raramente tratamos os de dentro de casa com o mesmo amor, com a mesma tolerância, com a mesma gentileza.

É contraditório que queiramos o bem material (digamos assim) dos de nossa família quando o abraço, o apoio incondicional, a troca esteja sendo mais generosamente presente com os de fora, do que com os de dentro. É como se nossa tolerância tivesse um limite definido exatamente além das quatro paredes de minha casa.

É comum vermos famílias inteiras sem terem o que falar um com o outro, sem afinidades, sem o olhar livre e cúmplice pois a vida cotidiana trouxe-lhes alguma mágoa nunca tratada, alguma dor nunca perdoada e um perdão nunca liberado.

Viagens, boas escolas, roupas bonitas e presentes são garantidos aos nossos filhos. Tanto quanto podemos. O ouvido atencioso, o abraço acolhedor, o olhar que percebe se há algo de errado, as trocas verdadeiras e carinhosas são coisas mais raras.

Parece que a gente está absolutamente inclinado a entender que o que se pode tocar, o que é material, o que pode ser medido é o que de fato vale.

Amor não se encontra em qualquer prateleira para se comprar. Caso fosse assim, para muita gente seria mais fácil lidar com essas questões todas e ter a família integrada, saudável emocionalmente e feliz. Ia lá, comprava e, pronto. Tudo resolvido.

Que nossos relacionamentos sejam mais leves, agradáveis. Que o olho no olho queira dizer “te gosto” e de fato diga isso.

Que nossa humanidade seja mais humana. A começar de dentro de minha casa. E que reverbere para os de fora, pois isso nos fará bem.

Que eu aprenda a construir minhas relações interpessoais com a maior saúde possível, tendo como reflexo o que aprendi no meu berço, dentro de minha casa.

E que, em minha casa, de fato, haja o sincero sentimento de família. Sentimento vivido, experimentado, materializado em respeito, aceitação, perdão e tolerância. Além de diálogo.

Movimento gostoso, livre a acolhedor para dentro e para fora.

Programados para viver


Amanhã fará um ano de seu falecimento e estão todos – sua mãe, suas
irmãs e alguns amigos – preparados para sofrer. Programados mesmo!

Eles anotam informações, fotos, textos, nas redes sociais. É como se
estivessem numa comemoração ao avesso. Numa festa de dia triste sendo
antecipada para acontecer.

Choram por antecedência.

Claro que o inconsciente naturalmente registra datas e nos faz lembrar
nossos pequenos ou grandes traumas. Isso é preciso, inquestionável.
Mas o meu questionamento é que, no meu intelecto,  por que eu
‘prefiro’ programar-me para sofrer se eu tenho a opção de me programar
para viver o dia do jeito que o dia vier ou, melhor ainda, direcionar
o pensamento para que meu dia seja feliz, alegre, produtivo?

Sim. Eu posso levar meu pensamento na direção que eu quiser. O
sentimento poderá vir, qualquer sentimento. Esse eu não vou poder
controlar não. Mas meu pensamento? Claro! Eu posso levá-lo para onde
quiser.

Posso provar: “pense numa praia agradável num dia ensolarado e muito
bom. O céu está azul e a água, fria e limpa me convida para nadar.”
Deu para ir lá? Deu para, no pensamento, curtir esse prazer? Foi
possível, aí mesmo, onde você está, sem sair do lugar, fazer esse
pequeno passeio? Isso gerou o que em você? Prazer, alegria? Descanso?

Pois é. Eu levo meu pensamento para onde quer que eu queira.

Então se eu me programo para sofrer amanhã a morte de um ente querido,
fatalmente sofrerei horrores. Chorarei, terei um dia emocionalmente
difícil.

Mas se eu me programo para viver, para viver a cada dia o bom e o mal
da vida (posto que o mal poderá vir, sim. Isso é uma questão de
realidade), eu me antecipo para apenas viver. E ser sujeito de meu
destino, de meus pensamentos, de minha vida. Quiçá até de minhas
emoções.

Posso me programar, no mínimo, para ter um dia agradável, ao invés de
ficar remoendo as dores, a ausência, a falta, a morte.

Escolho viver. Escolho a preparação para sorrir. Levo minha mente a
repaginar a dor, experimentar um pouco de alegria e para viver novas e
boas emoções.

Sim. Eu posso programar-me para ser viver bem. Para lidar
saudavelmente com minhas emoções, para apenas agradecer as cores, os
sons, o pão de cada dia, a vida. Isso, para mim, gerará bons
pensamentos, boas emoções, coragem e força para seguir ainda que a
falta de quem amo seja latente.

Papai x Mamãe

-“E como vai ser a partir de agora se minha mãe resolver ir morar em outra cidade?”
Foi com essa pergunta que ela chegou no consultório há três anos. O rosto vermelho de tanto chorar, uma menininha de doze anos muito triste ao saber que seus pais estavam se separando.
A confusão emocional estava montada e não era para menos: ela amava os pais mas já sabia de antemão que se um morasse numa casa e outro noutra seria sofrimento na certa. Sofrimento para ela: ela não estava acostumada a não poder curtir a segura presença do pai e a amorosa presença da mãe ao mesmo tempo.
A partir de agora, se quisesse, ia ser assim: dois dias da semana com um e o resto do tempo com o outro.
Mas a dor não parava por aí: tinha a insegurança, o medo de ver o pai com nova namorada, o medo da nova vida. Seria muito ruim estar sem os dois ao mesmo tempo. E se a mãe resolvesse também arranjar novo namorado?
-“Eu tinha percebido que há algum tempo eles estavam dormindo em camas separadas, mas achei que não fosse nada demais. Eles estavam prestes a se separar e eu não pude fazer nada para mudar essa situação. A única coisa que me resta agora é chorar. Chorar até eles entenderem que nós, filhos, estamos sofrendo demais da conta.” Esse foi um caminho de chantagem que ela maquinava contra os pais.

É sofrimento mesmo. Para todos. Para os dois que não encontram mais sentido em seguirem juntos; para os filhos que vão precisar de um bom tempo para assimilar melhor esse momento e se adequar à nova vida.

Mas se não tem jeito, se está decidido (e essa resolução é problema mesmo dos pais, num primeiro momento e nunca vem de uma hora para outra – é quase sempre coisa de longo tempo de desentendimento.), o que vou fazer?

Eu teria algumas dicas para pensar nesse momento. Talvez a ajude a elaborar algum pensamento sobre o assunto:
1. Viver essa realidade. Seguir com coragem como se isso fosse um cálice amargo que a gente tem que beber mesmo. Fere, dói, mas é um momento que posso usar para amadurecer minhas emoções, procurar lidar com as dores da vida da melhor maneira possível, para o bem de todos;
2. Aceitar que, se são adultos e decidiram pela separação, é por entenderem que isso é o melhor que escolheram para si mesmos. E se eu quero o bem de meus pais, devo buscar compreender que é melhor se separarem em paz do que viverem brigando e se machucando o resto da vida;
3. Com o passar do tempo as coisas vão se encaixando, vão acontecendo. Assim como a vida é flexível, os acontecimentos vão indo e vindo. Quem sabe como será amanhã? Não adianta sofrer por antecedência.
4. Valerá a pena viver um dia por vez. E ver, dia a dia, o que acontece, como o tempo vai passando. Nem tudo está perdido e ainda teremos alegrias e lutas para experimentar.

Coragem talvez seja uma palavra tônica, muito bem vinda, para momentos assim.

Portas abertas à consciência

Eu tinha um colega que contava a história de seu avô: um homem distinto, inteligente e cheio de sabedoria.
Mas na hora de dormir, todas as portas dos quartos tinham que ser fechadas. Se não fosse assim, ele, o avô não conseguia dormir.
Foi desse jeito durante longos anos até que em atendimento psicanalítico, o avô, por via da fala, descobriu o porquê desse costume que tanto deixava a todos incomodados. Todos sofreram longos anos até que ele compreendesse a razão de sua fobia e modificasse o pensamento, elaborando seus motivos, suas lembranças, seus medos.
Trazer à consciência aquilo que estava preso no inconsciente tende a proporcionar ao sofredor saúde mental. E a gente faz isso pela fala, através de análise.
Um medo, uma mania, um transtorno, um velho costume. Chupar dedo, levar um paninho para dormir… O vício de beber ou fumar. Usar drogas até consumir toda a vida. Certamente todas essas coisas tem uma razão escondidinha lá no inconsciente, pronta para ser tratada, como se limpa a sujeira de uma velha chaminé.
A Psicanálise é isso: análise da Psique, no sentido de esclarecer a verdadeira de meus supostos monstros, dando-me mais força, compreensão e clareza das minhas limitações para que eu seja um ser humano mais resolvido, pleno, ainda que em construção e evolução.
É a Psicanálise abrindo portas em nossas vidas.

Enfeitiçados pelo consumismo

Ela sempre foi linda demais. E eu ia pegá-la na escola, ainda em suas primeiras letras. Na porta da escola, um carrinho de pipoca pintado de azul. O vendedor ali, quietinho, vendendo vários saquinhos brancos cheios daquela coisa salgadinha e Sassá falava: “Tia, essa pipoca tem um cheiro bom, não é?” Bastava essa cantada dela para eu me render aos seus enormes cílios que se fechavam e abriam em seus olhos verdes sorridentes e brilhantes e dizer: “moço, me dê um saco desses!”. Pronto. Confesso que nunca resisti a um pedido, ainda que cantado e discreto daquela menina de olhos grandes. Nunca. Seu sorriso, a vida inteira, me convenceu de que eu precisava atender aos seus caprichos, pedidos, conversas, histórias.

Romantismos à parte, é mais ou menos desse jeito que os aparelhos ideológicos agem. Nos cantam, nos convencem de que precisamos adquirir e consumir o último lançamento daquele sorvete maravilhoso ou daquela nova margarina que derrete no milho e a família ‘está feliz’.

O dia está calmo, a paz reina nos lábios brancos e sorrisos perfeitos daqueles atores e sairemos amanhã cedinho a comprar o último lançamento daquela nova camiseta que está na moda, o último colar que aquela atriz usou ontem à noite na novela e o último lançamento de não sei mais o quê. Um novo ipod, um novo celular, uma nova TV.

Isso explicaria porque mulheres que só possuem dois pés (e é?) costumam ter ou querem comprar cem pares de sapatos. Mulheres ou centopéias?

Se por um lado há neuróticos anais que adoram guardar, retém desde suas próprias fezes no intestino) até aquelas velhas canetas (de várias marcas, é claro”), por outro há os que querem adquirir coisas porque sua autoestima não é lá tão boa e precisam se firmar socialmente exibindo roupas caras, por exemplo. Mas ainda há gente que simplesmente não consegue resistir aos apelos da mídia. E compram compulsivamente, e gastam e se desgastam.

Os propagandeiros não se cansam de dizer: ‘você não pode perder, você precisa comprar’. E nós os seguimos, como gados, sem qualquer reflexão, sem qualquer objeção, só obedecemos. Apenas atendemos ao clamor ao consumo. Vamos correndo ao mercado comprar aquilo que nem é uma necessidade minha. Aquilo que passou pelo meu desejo, estimulado por outra pessoa mais bonita, próspera, talvez mais inteligente que eu.

Eu penso que não sejamos suficientemente críticos. Agimos o tempo inteiro mais emocionalmente que racionalmente. É fato que nossas ações são muito mais inconscientes que conscientes (vejo isso todos os dias no consultório). E vamos sendo levados por todo tipo de vento, idéias, apelos. Eu não penso, não critico meu pensamento, não me pergunto: será que preciso mesmo disso ou daquilo?

Claro que esse é um tema bastante difícil. Passa pela minha emoção. Passa pelo desejo. E desejo é coisa da nossa subjetividade. Quase insondável. O que você deseja? E, parafraseando o Psicanalista Jorge Forber: “você quer o que deseja?” Quer mesmo? Porque se tenho algo em minhas mãos aquilo vai ter um custo. Todo ganho tem um custo. Todo. Exemplo: você passa no vestibular. Muito bom! Parabéns! O preço disso será perder umas horinhas de sono, se preocupar com a prova e o trabalho de amanhã. Além de muitas outras ocupações próprias de um curso superior. É bom? Claro que sim! Os ganhos também são muitos. E certamente valerá a pena.

O ponto principal que quero levar em conta é: desejo ou necessidade? Eu tenho consciência de que o que desejo é realmente algo de que necessito de fato ou é fruto de uma idéia, uma propaganda midiática, uma imposição do outro e não minha?

No consultório a gente encontra muita gente ansiosa por consumir. Consumir desde objetos, coisas, até pessoas. Usam pessoas como objetos seus. Esse paciente normalmente é acolhido, respeitado e, acima de tudo, escutado. Especialmente ele deverá se ouvir, se conhecer, se gostar até conseguir gostar genuinamente do outro. Num processo terapêutico lento, mas eficaz.

Há uma distância entre ser cidadão e consumidor. Há uma distância entre saúde emocional e aqueles desejos ansiosos que a gente carrega pela vida compulsivamente até se ‘realizar’ e consumir o próximo alvo. Numa roda viva que pode gerar muito mais angústia que prazer. Quem poderá entender o ser humano?

Querer não é errado e ter utopia nos leva adiante, como se estivéssemos caminhando na direção de nossa realização pessoal. O convite fica no sentido de pensarmos sobre nossos pensamentos, criticarmos nossos desejos para, com alguma consciência, se isso é possível, agirmos e sermos mais próximos de nossa própria humanidade. Tranquilos, saciados, felizes e seguros. Sabendo dizer “Não” quando se tem que dizer não e “Sim”, quando for o momento oportuno.

Quanto a mim, em relação àqueles olhos verdes, já está decidido: será sempre “Sim”.