Autoridade x Autoritarismo

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Hoje eu tive a felicidade triste (se é que isso é possível) de conversar um pouco com uma pessoa daqui de Jequié que tem uma história incrível ligada àqueles tempos de ditadura. Não citarei seu nome por uma questão de ética, mas ele é uma memória viva dos desmandos e prejuízos (daí minha tristeza) implantados no Brasil há 50 anos.

Humana que sou, fiquei emocionada ao ouvir suas histórias, alguns relatos, coisas que sangram e até hoje, de alguma forma, marcam até as atuais gerações em seu comportamento, no seu jeito de ver e compreender a realidade, dentre outras influências. No livro Brasil Nunca Mais, temos alguns exemplos da quão desumana foi aquela experiência.

A sociedade brasileira reagiu tão fortemente aos horrores daquele tempo que, na tentativa de expurgar de uma vez por todas qualquer tipo de autoritarismo que lembrasse aqueles dias, acabou se atropelando entre conceitos de autoridade e autoritarismo (coisas muito diferentes uma da outra) e, ficamos assim: temos medo de exceder em força na criação de nossos filhos e nos tornamos pais e mães extremamente permissivos, com medo de dizer não, de definir limites, de nos posicionarmos como adultos que somos na relação entre pais e filhos.

Extremos sempre foram muito perigosos.

Oscilando entre gritar e conversar, entre dar ordens e dialogar, entre respeitar nossas próprias convicções e ceder às primeiras birras de nossos pequenos, nos tornamos pais infantis, com sérias dúvidas sobre quais decisões tomar a respeito deles, enquanto ainda estão conosco e/ou enquanto não podem tomar conta de seus  próprios narizes.

Somos pais inseguros, permissivos e temos medo de falar aos nossos filhos o que pensamos, nossos posicionamentos. Já vi pais que tem medo de errar, pois tem pavor de que seus filhos descubram suas fragilidades.

Entendo que uma das cicatrizes que temos como sociedade, fruto de 64, é que fazemos uma tremenda confusão entre democracia e autoritarismo, a ponto de compreendermos que democracia é apenas falar o que se quer falar.  E democracia não é somente isso.

Mas se fôssemos classificar o principal trauma do golpe em nossas atuais gerações, talvez seja exatamente este: o de confundirmos, em nosso senso comum, autoridade com autoritarismo, numa tentativa quase inconsciente de expulsar de nosso meio este último.

Crianças superpoderosas e pais fragilizados. Crianças que tudo podem sem ainda sequer terem o poder apropriado de discernimento sobre o que seria a melhor ou a pior decisão para suas ações.

Nossa sociedade ainda geme as dores (inconscientes) de um tempo que não se pode esquecer.

 

 

3 pensou em “Autoridade x Autoritarismo

  1. Sensível e lindo texto! Ótimo paralelo!

    Sei é que a cada aclamação de um Datena ou Sheherazade, mais me assusto com as incongruências ideológicas de liberais totalitários e humanistas fascistas.

    No campo familiar, a coisa é muito séria. Mesmo após tantos anos, relações dialógicas entre pais e filhos continuam sendo coisa insólita.

    Tem outras esferas em que a situação é igual, mas chega de bater na mesma tecla! É mais fácil executar proibições baseadas em toscos “revelamentos”, do que cumprir II Timóteo 2:15.

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